Servidor do TRE com deficiência visual vence barreiras e contribui para acessibilidade no tribunal

Servidor do TRE com deficiência visual vence barreiras e contribui para acessibilidade no tribunal

Servidor TRE-CE deficiente visual

O técnico judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, Elizon Vieira de Oliveira, de 39 anos, nascido em Jucás e lotado em Iguatu, além das suas atribuições rotineiras, assumiu um papel importante para acessibilidade da intranet e do portal do TRE na internet.

Servidor há cinco anos, atualmente ele está contribuindo para que as informações constantes nas páginas virtuais sejam acessíveis à audiodescrição, através de softwares específicos, e também sejam disponibilizados contrastes e ampliação de texto para as pessoas de baixa visão e os daltônicos.

Em contato direto com o servidor da SEWEB (Seção de Administração de Intranet e Internet), Clebernaice Cruz, e a chefe da seção, Denise Rebouças, Elizon apresentou críticas e sugestões que deixaram a intranet do TRE-CE "100% acessível", na sua concepção.

Outra contribuição significativa foi, em parceria com a SEWEB, a adaptação do aplicativo da 'Pesquisa de Satisfação do Mesário'. Segundo Elizon, "Botões, links gráficos, descrições, campos de edição, tabelas, cabeçalhos antecedendo a informação de que se está atrás, página de login, tudo descrito e facilmente encontrável, foi muita emoção para mim. A emoção ficou por conta de perceber que não se precisa de muito para tornar o mundo possível para quem tem uma deficiência'".

Entrevista

"Gosto demais de me sentir produtivo, atuante, de ter responsabilidades. Não saberia lidar com o fato de não ter o que fazer, pois para mim, quanto mais trabalho mais me sinto realizado. Felizmente resolvi vir para a Justiça Eleitoral e estou me sentindo muito bem com a escolha." Elizon, que antes do TRE estava no INSS, trouxe consigo toda garra de quem não vê limites para alcançar seus objetivos.

De onde vem toda essa motivação para romper barreiras e seguir adiante com os projetos? Elizon nos conta um pouco da sua vida, quando ficou cego, a parceria com a turma do Cartório Eleitoral, apoio familiar e, principalmente, dos direitos das pessoas com deficiências. Os relatos são verdadeiras inspirações para todos nós.

ASCOM - Qual sua formação?
Elizon - Graduado em Pedagogia pela UECE e Especialista em Gestão Estratégica da Informação pela Estácio de Sá.

A- Como foi a preparação para o concurso do TRE?
Elizon- Estudei durante 01 ano para fazer o Concurso do TRE Ceará. Foi um período muito produtivo da minha vida, pois estava envolvido em algumas atividades pessoais ao mesmo tempo que fazia Faculdade a noite, 40 Km distante da minha casa. Foi um momento de crescimento pessoal muito intenso, porque tive que abrir mão dos amigos, viagens, objetos de consumo, enfim de coisas e situações que todos com os quais convivia tinham acesso e que experimentei trocar  por que havia objetivos a serem conquistados, concluir minha Graduação e pertencer ao Judiciário.

A- Por que decidiu entrar no serviço público?
Elizon - Tudo iniciou com o incentivo de um amigo, também cego, atualmente lotado no TRT Paraná, que começou a falar sobre o assunto e comecei a despertar para os estudos para Concursos Públicos. Por incrível que pareça, meus estudos começaram para o TRE Ceará, sendo que o certame foi cancelado e o concurso adiado. A partir daí me apaixonei pelo Direito. Cheguei a ficar em 2º lugar, como PCD (Pessoa com Deficiência) no primeiro concurso que prestei, o do TRT Ceará, mas não fui chamado. Na época pensei em trancar a Faculdade de Pedagogia e estudar para o vestibular de Direito da Urca, mas, ponderei, pois teria que me dedicar muito e tiraria o meu foco de chegar no Judiciário.
Quando participei do Concurso do TRE-CE, fiz logo em seguida o do INSS. Acabei sendo chamado antes para aquela Autarquia, tanto que, quando recebi a ligação da Andréia, da SEGED, a voz que todo mundo quer ouvir quando quer vir para a Justiça Eleitoral Cearense, fiquei muito receoso, pois já havia conquistado meu espaço no INSS e gostava demais do serviço que desempenhava no setor recursal da Agência. Fiquei com medo de trocar de emprego e acabar chegando ao que eu mais temo do ponto de vista profissional, a possibilidade de ser tratado como incapaz e de ficar subaproveitado. Gosto demais de me sentir produtivo, atuante, de ter responsabilidades. Não saberia lidar com o fato de não ter o que fazer, pois para mim, quanto mais trabalho mais me sinto realizado. Felizmente resolvi vir para a Justiça Eleitoral e estou me sentindo muito bem com a escolha.

A- No Cartório, quais são as atividades que você desempenha?
Elizon - Cuido da parte de Direitos Políticos (Cancelamento, Suspensão e Restabelecimento), de Atividades Administrativas e de Pessoal e tudo mais que me seja delegado.
Tenho a honra de trabalhar com Lireuda, Michel e uma equipe já de anos de experiência em atividades eleitorais. De fato foi um grande privilégio para mim, porque cheguei em um ambiente incrível, com profissionais muito capazes, de uma experiência e uma segurança nas ações que me fizeram e me fazem sentir seguro e, claro, integrado. Aprendo demais com eles, tanto do ponto de vista profissional, quanto humanamente. Posso afirmar, com muita segurança, que, depois desses quase dois anos, sou outra pessoa. Desejaria muito que cada pessoa com deficiência pudesse encontrar ambientes assim, com superiores de mente aberta e com capacidade de delegação, compreendendo os limites do outro e explorando suas potencialidades.

A- Como foi contribuir para o Grupo de Trabalho da Cidadania?
Elizon - Sabe, só quem tem noção do quanto sistemas acessíveis são importantes para um usuário, são as pessoas com deficiência. Aí, de repente, receber o convite para tornar isso possível foi algo que me deixou muito encantado e feliz. Como disse a eles, tal preocupação faz com que possam tornar o mundo possível para quem só precisa de uma coisa para conquistar tudo o que quer: informação. Já disse isso e repetirei as vezes que forem necessárias, Parabéns e Parabéns ao TRE Ceará pela EQUIPE! Torço muito mesmo para que o TSE siga exemplos como esses e também procure melhorar os seus sistemas.
Acho até que essa forma de agir da STI (Secretaria de Tecnologia da Informação) do nosso Tribunal  precisava ser difundida. O Brasil precisa demais de pensamentos como esses.
Uma das situações que gosto de citar para colegas cegos de outras instituições, foi o fato de, em plena eleição ter recebido uma demanda da chefia do cartório e quando cheguei no sistema, deparei-me com elementos inacessíveis. Pensei: 'E agora?' Resolvi ligar então para o pessoal que o desenvolveu. Na mesma tarde já estava trabalhando com total acessibilidade.
Vocês não têm noção do significado disso para um cego nesse país. Como seria extraordinário se todos pudessem ter esse privilégio. Deixo aqui, meus parabéns também aos gigantes da SESCO e aos demais setores, afinal se fosse falar de tudo que o pessoal da Secretaria já me ajudou seria uma entrevista só para isso.

A - Ainda há muito fazer para garantir acessibilidade na internet de um modo geral?
Elizon - Essa é uma excelente pergunta, porque, por incrível que pareça, a Comunidade Cega enfrenta mais dificuldades em sistemas corporativos, sejam privados ou públicos, do que propriamente na Internet aberta. Hoje, a luta maior das pessoas com deficiência visual é para tornar os ambientes informáticos acessíveis aos 'leitores de telas'. Resoluções, como a do CNJ e Leis, como a LBI (Lei Brasileira de Inclusão), são instrumentos fantásticos que auxiliam na luta para tornar a Internet, as Intranets e os Sistemas Corporativos usuais e acessíveis. Costumo dizer que o que torna as pessoas com deficiência diferentes das demais são as barreiras. Retire-as, e estaremos todos em pé de igualdade. Por essa razão, acredito que com as atividades modernas cada vez mais digitais e menos dependentes do papel, as pessoas cegas poderão conquistar cada vez mais espaço no mercado de trabalho, claro, se toda essa evolução for também seguida de atenção aos parâmetros de acessibilidade quando da construção de tais sistemas.

A - Como e quando você perdeu a visão?
Elizon - Perdi a visão de um olho aos 12 anos de uma vez só e a visão do outro comecei a perder gradativamente aos 17. Hoje, olhando para trás percebo que não foi tão traumático pelo fato de ter sido gradual. Além disso, acho que hoje não é esse drama todo que as pessoas, quando me veem, exprimem, porque o meu maior baque à época foi o fato de, por falta de conhecimento, estar fadado a não poder estudar mais. Quando, aos 27 anos, 10 anos depois, descobri que era possível, ninguém mais me segurou.

A - Qual a participação da sua família na sua trajetória?
Elizon - Pela minha concepção de vida somos sustentados por alguns pilares primários: fé, família, amigos e trabalho.
Já soube como é não poder trabalhar e lá estava meu pai, dizendo para mim, que eu poderia ter tudo isso amenizado se eu conseguisse um benefício do INSS, pois me serviria de segurança. Pela concepção dele, eu estaria seguro. Relutei, mas aceitei, e depois percebi que poderia usar isso ao meu favor, bancando meus estudos e me capacitando para conseguir abrir mão de tal amparo, como o fiz.
Já passei um tempo perdido da minha fé, e lá estavam minhas irmãs me apoiando e, até mesmo, tirando o tempo delas para me levar à terapia que consegui pelo SUS, porque queria aprender a viver e enfrentar o mundo sem enxergar e percebi que se eu tivesse a ajuda de um profissional eu conseguiria transformar toda vontade que existe dentro de mim em ação. Não deu outra, hoje, costumo dizer que uma das minhas maiores características é o autoconhecimento que tenho e por conta disso vivo dizendo também: 'Saia da frente que estou passando!'.
Já estive sem amigos, como falei antes e lá estava minha mãe fazendo meus sanduíches para servir de janta, ao sair às carreiras para a Faculdade, pois estava estudando demais e não sobrava tempo para comer.
Acredito que a família é certamente a maior criação de Deus, pois se todos os outros pilares desabarem, quando temos família tudo mais cedo ou mais tarde acaba por se encaixar. E Deus é muito bom comigo, pois posso dizer que tenho uma família incrível e, quando casei também pude construir o que hoje é meu maior tesouro.

A - Quais as principais barreiras físicas e comportamentais que na sua avaliação as pessoas precisam superar?
Elizon - Dizer que as ruas precisam estar sinalizadas, as calçadas padronizadas e as pessoas sabendo como tratar as pessoas com deficiência é o que já se sabe há tempos. A questão é como tudo isso irá acontecer.
Recentemente falei em uma palestra, que, para mim, a melhor forma de explicar o que vivemos hoje como sociedade é o que ouvi muitas vezes meu professor de Filosofia dizer sobre estarmos evoluindo muito no tocante a Tecnologia, porém não estamos crescendo igualmente em relação ao conhecimento que temos, a respeito de intra e inter-relação.
Como então, poderemos perceber que o outro é alguém igual e passivo dos mesmos direitos que eu, se não tenho domínio nem mesmo daquilo a que me assiste?!
Não falo aqui apenas dos direitos das pessoas com deficiência, falo dos direitos de todos os que se julgam diferentes, porque na minha visão de mundo não existe esse negócio de ser normal, existe a grandeza de sermos diferentes, para que, na nossa miscelânea de pensamentos, de dons e capacidades, nos completemos.
Tudo pode até parecer muito utópico, mas a medida que as sociedades caminharem nesse sentido, as intolerâncias certamente deixarão de ter espaço.

A - Quando sabem que você tem deficiência visual, como se comportam?
Elizon - Noto as mais diversas reações, que vão da rejeição, passando pela desconfiança, pelo coitadinho até o: "e eu aqui com minha visão normal não sou capaz de fazer nem 1/4 do que você consegue". Percebo muito que se surpreendem com o fato de me vestir adequadamente ou de não acreditarem que faço minha própria barba ou que utilizo sistemas informatizados.
Houve um tempo em que eu me irritava com isso de me verem apenas como 'deficiente visual' e não como um ser dotado da capacidade de resiliência. Contudo, o tempo passou. Hoje apenas sorrio e deixo passar e, por vezes, até ajudo a pessoa a continuar o pensamento dela, porque compreendi que a cultura ainda é muito atrelada a ver o deficiente como alguém incapaz e coitadinho. Entendi que não consigo mudar o pensamento de todas as pessoas ao meu respeito, o que considero um passo na minha maturidade, pois só comecei a tratar tudo isso de forma tranquila quando já estava tudo em paz dentro de mim.

A - Quais são seus projetos atuais e futuros?
Elizon - Tenho alguns, os  quais não traço como atuais ou futuros, pois Deus é quem sabe quando poderão ser realizados, mas vão desde a vontade de aprender violão, integrar um grupo de audiodescrição, até dar um irmãozinho para o Edgar, construir minha casa e voltar a prestar concurso, com o objetivo de ser Analista da Justiça Eleitoral. Torçam por mim!

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